domingo, 30 de março de 2014

TRANSPLANTES: O CASO "FEARING" E O RIM RECICLADO

Um rim, em três corpos, em duas semanas. A história não é nova em folha - é do final de Abril de 2012 – mas merece ser lembrada, neste Portal, pela singularidade e inovação que o momento constituiu na história dos transplantes renais. Cera Fearing. Ray Fearing. Erwin Gomez. Esta história, em cadeia, fez-se com estes três nomes, num par de semanas, na zona de Chicago, Estados Unidos da América. Cera, 21 anos, doou o rim ao irmão, Ray, 27, que sofria de um tipo comum de doença renal. O seu corpo rejeitou o transplante e Ray fez questão que o rim fosse transplantado noutra pessoa. Gomez, um cirurgião, pai de cinco filhos, foi o eleito. A história foi detalhada primeiramente num artigo no England Journal of Medicine em Abril de 2012 e depois na imprensa nacional e internacional. Geralmente, quando os órgãos transplantados são rejeitados em pacientes vivos, os médicos deitam-nos fora. Porém, num país em que há 73.000 pessoas [dados de Abril de 2012] à espera de um transplante, alguns especialistas defendem que os médicos deveriam considerar a reutilização de mais órgãos perante a escassez de órgãos transplantáveis. “A necessidade de transplante de rins não corresponde à nossa capacidade”, afirma o doutor Lorenzo Gallon, um especialista em transplantes a trabalhar na Northwet University e que assistiu à famigerada operação de reciclagem, em Chicago. “Há pessoas a morrer em diálise,  enquanto esperam por um rim”, acrescentou Gallon ao jornal Daily Mail, a 26 de Abril de 2012. O que aconteceu, afinal, a Ray, que teve apenas o rim de Cera por duas semanas? O irmão da dadora sofria de glomeruloesclerose segmentar e focal (GSF) – uma doença renal que forma um tecido cicatrizante na parte do rim que filtra os desperdícios – que começou a danificar o “novo” rim, pelos mesmos motivos que arruinou o original. A causa desta doença é desconhecida, mas há cerca de 50% de probabilidade de reaparecer depois de um transplante.  Uma questão de Tempo... e de Ética  Para salvar o rim de Cera, os médicos tiveram que agir celeremente, antes que o órgão ficasse irremediavelmente inutilizável. A remoção do órgão foi efetuada pouco tempo depois, com o consentimento de Ray e da irmã. Numa primeira fase, Cera pensou que o rim iria para o lixo. “Assumi que estava danificado, que era lixo. O facto de eles poderem dá-lo a alguém que de alguma maneira estava pronto a beneficiar dele era fantástico”, afirmou a dadora. O rim foi transplantado num cirurgião do Indiana, por haver uma forte compatibilidade. Os riscos de reutilizar um órgão transplantado podem ser complexos, uma vez que os cirurgiões têm de lidar com um tecido cicatrizante que geralmente se forma em torno de um órgão que o corpo sara através da operação. Wayne Shelton, um especialista em Bioética no Albany Medical College de Nova Iorque, defende que esta prática pode levantar questões éticas. Os médicos têm que assegurar que os pacientes que recebem órgãos reutilizados compreendem todos os riscos e que não são coagidos a receber estes órgãos, afirmava Shelton na altura da divulgação deste caso. Há ainda a questão da raridade destes episódios, que não permite que haja dados suficientes para descrever como é que passam os pacientes depois dos transplantes de órgãos reciclados. Erwin Gomez, o cirurgião de 67 anos que recebeu o rim “reciclado” nunca tinha ouvido falar em “transplantes de órgãos reutilizáveis”. Depois de alguns receios, aceitou a operação, que aconteceu após um encontro clandestino com Gallon e os dois irmãos, em que lhe foram explicados os riscos e os eventuais benefícios provindos desta operação. O órgão de Cera reganhou a sua função em Gomez dois dias depois do transplante. Erwin começou a tomar medicamentos anti-rejeição e livrou-se da diálise. Ray voltou às sessões de diálise e aguarda um novo transplante. Mais histórias sobre doações: Ler “60 Lives, 30 Kidneys, All Linked” (New York Times, 2012)

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